O Voto de Jacó
Neste artigo, o autor demonstra que a história de Jacó compromete a teologia sistemática dos defensores do atual sistema de dízimos. Para ele, o voto a Deus vinculado pela condicional “Se”, desequilibra o conceito dizimista pregado hoje em nossas igrejas.
Jacó deveria ser considerado por aqueles que defendem a doutrina do dízimo um dizimista exemplar. Filho de Isaque. Neto de Abraão. Herdeiro da Promessa. Patriarca escolhido por Deus para fundar a nação israelita. Por que então quase não se ouve pregadores citando o exemplo de Jacó quando o assunto é dízimo?
Simplesmente porque Jacó estraga a teologia sistemática tendenciosa daqueles que estão buscando provar que a doutrina do dízimo, conforme ensinada hoje, tem fundamento bíblico.
O princípio fundamental da interpretação bíblica é que uma doutrina para ser válida precisa obedecer a pelo menos dois parâmetros simples:
a) Não se pode criar uma doutrina em cima de uma só passagem bíblica.
b) Todas as passagens sobre um mesmo tema doutrinário têm que ter coerência entre si.
Desta forma, o dízimo de Jacó teria que estar em consonância com todos os outros textos bíblicos que falam sobre dízimo. Se o assunto é dízimo, os princípios contidos na história de Jacó tem de fazer parte da sistematização teológica global deste ensino. Mas, os princípios dizimistas contidos na história de Jacó nos levam a outras conclusões:
1) “SE” - Esta pequena palavra faz toda a diferença. Jacó aparece orando a Deus. Parece um grande duvidador. “Senhor, se eu for abençoado, se eu tiver comida, roupas, proteção, então em pagarei dízimos”. Observe que o ônus da prova estava com Deus. Se Deus não o abençoasse ele não deveria pagar nenhum dízimo ao Senhor. “Primeiro a Benção. Depois meu Dízimo!”. (Gênesis 28:20)
É assim que se ensina em nossas igrejas hoje? Claro que não! Nos mandam primeiramente pagar nossos dízimos. Depois virão as bênçãos. Nunca se fala do “SE” de Jacó. O dízimo de Jacó era condicional. Não a benção. Hoje aprendemos o oposto. A benção de Deus é condicional. Quem paga o dízimo a receberá!
2) VOTO – “Fez Jacó um voto” (Gen. 28:20). Ora, se Jacó fez um voto, obviamente ele não era um dizimista, tão pouco Isaque, tão pouco Abraão. Será possível que Jacó, criado no rigor da religião patriarcal não teria aprendido de seu avô e de seu pai esta prática, caso ela realmente existisse? Voto é voto. É propor algo novo a Deus na busca de uma melhor experiência espiritual. Imagine um fiel católico fazendo um voto, uma promessa, a Santa Ana. Ele se levanta pela manhã e diz: “Minha querida Santa Ana, se tu me deres saúde, prometo todos os dias da minha almoçar e jantar”. Isto é voto? Como pode alguém votar algo que já faz parte de sua rotina. Jacó, naquela idade, nunca tinha pago nenhum dízimo a Deus. Resolveu então aumentar sua experiência religiosa fazendo um voto.
3) MÚLTIPLAS CONDIÇÕES AGREGADAS – Há um terceiro aspecto interessante neste relato. Jacó propõe a Deus cinco condições agregadas.
a) Se Deus for comigo – (Presença de Deus). E
b) Se me guardar nesta viagem – (Proteção). E
c) Se me der pão – (Alimento). E
d) Se me der vestes para vestir.- (Roupas). E
e) Se eu voltar em paz à casa de meu pai – (Realização)
Observe que as cinco condições estão unidas pela preposição “E” (Gen. 28:20). Se Deus atendesse quatro dos cinco itens da lista de requisições, Jacó estaria automaticamente livre de cumprir o voto. Ele propôs APROVAÇÃO + PROTEÇÃO + COMIDA + ROUPA + PAZ. Tudo junto! Só cumpriria seu voto se recebesse todas as cinco bênçãos.
Você já ouviu alguém ensinando: “Irmão, pague seu dízimo a nossa igreja somente quando você estiver completamente feliz. Quando você tiver paz, saúde, dinheiro, comida farta e boas roupas, então traga seu dízimo ao Senhor. Se lhe faltar algum destes itens considere-se isento desta obrigação.” É assim que nos ensinam hoje?
4) COPIAR RITUAIS – Em nenhum lugar a Bíblia ordena que os cristãos do século XXI devem copiar ou imitar votos da era patriarcal. Jacó resolveu fazer um voto a Deus e prometeu-lhe pagar dízimos. E daí? Devemos todos nós hoje fazer o mesmo? Que tal então, começarmos a procurar uma pedra, pô-la como coluna e declarar que ali é a casa de Deus. (Gen 28:29). Ou prometer sacrificar nossas filhas em holocausto ao Senhor como fez Jefté. (Juízes 11:30-40). Ou deixar um de nossos filhos sem cortar o cabelo para sempre, como fizeram os pais de Sansão (Juízes 13:3-5). Ou entregar nossos filhinhos menores de três anos à igreja para ali morarem pelo resto de suas vidas, como fizeram Ana e Elcana, pais de Samuel.(I Samuel 1:10-11)
OUTRAS PERGUNTAS INTERESSANTES:
Se Jacó não era obrigado a pagar dízimos (antes do voto) por que os cristãos teriam esta obrigação hoje?
Se Abraão era um fiel dizimista, porque não passou este ensinamento para seu neto Jacó? Na era patriarcal não era o ensino religioso transmitido de pai para filho, neto, bisneto, etc.?
Se Jacó fez um voto sobre dízimo, é sinal que este hábito não era requerido dele antes, não é mesmo? Então, por que requerer dízimos dos cristãos hoje?
A quem Jacó pagou seus dízimos? Como ele cumpriu este voto?
Se o dízimo de Jacó foi pago em forma de dinheiro quem recebeu esta importância?
Obviamente Jacó seguiu os princípios bíblicos de dízimo. Pagou seu dízimo em forma de alimento. Certamente ele o comeu em rituais litúrgicos ou o distribuiu aos pobres e necessitados. Não pode ter havido outra forma para Jacó cumprir a promessa. Nos seus dias ainda não havia templo, sacerdotes, levitas. O mais racional é aceitar que Jacó seguiu as aplicações dizimistas que anos mais tarde seriam consolidadas por Moisés em Deuteronômio 14 e outros textos já mencionados.
O voto de Jacó é o voto de Jacó e não seu. Ele votou pagar dízimos. Deve ter cumprido. Que temos nós a ver com o voto de Jacó? Devemos dar hoje dez por cento de nossos salários à igreja, só porque Jacó fez um voto a Deus há mais de 3.500 anos atrás?
Pare de viver reprimido. Expulse o medo de mudar. Chega de viver amarrado às superstições humanas. Aventure-se pela fé e permita que Deus lhe revele novas verdades. Faça da Bíblia e somente a Bíblia seu livro-guia. Não se deixe envenenar por argumentos meramente humanos. Quem aceita a tradição, como base para a religião, não chega a lugar nenhum. Vive a morte espiritual em vida. Vai a igreja toda semana como um cadáver adiado que procria formalismos eternos sem nexo, sem lógica. Uma vida inteira vazia e sem paz.
Suas crenças tem que aceitar que há um instinto sobrenatural no homem que o faz buscar a verdade. Não adianta cerrar os ouvidos. Se o seu entusiasmo pela Causa é intenso, fortes serão os motivos para abandonar as falsas doutrinas e alcançar as verdadeiras. Viva a liberdade em Cristo. Deus aprecia os VOTOS. As SUPERSTIÇÕES, com certeza, Ele as abomina. Todas. Todas. -- Paulo Gomes do Nascimento, Formado em Teologia pelo IAE-SP.
Leia também:
1. Dízimo que Não é Dízimo! Pode?
Neste artigo, o autor argumenta que os dez por cento dos salários e das rendas do fiéis entregues sistematicamente à Igreja não são dízimos, biblicamente falando. Segundo ele, a doutrina do dízimo ensinada hoje em nossas igrejas é um atentado à verdade.
2. Abraão: Dizimista Modelo?
Neste artigo, o autor argumenta que Abraão nunca foi, de fato, um dizimista. Assim, aqueles que defendem a doutrina do dízimo citando o exemplo do patriarca, estariam deturpando o conteúdo bíblico e agindo de má fé.
4. Dízimo: Superstição ou Obrigação?
Neste artigo, o autor argumenta que Malaquias 3:8-11 nas mãos dos defensores do dízimo, é uma enorme fraude exegética. Toma-se o texto fora do contexto criando-se um pretexto financista.